Não se mate, de Carlos Drummond de Andrade

Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo; hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.

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Não se mate, de Carlos Drummond de Andrade

Photo by Kristina Tripkovic / Unsplash

Às vezes acontece de ler algo e a interpretação que você tira é totalmente diferente de quando você o reler algum tempo depois. Isso é o esperado, visto que nossa vivência está sempre nos moldando, nossa história são calos que marcam e moldam nossa alma, constantemente. Redescobri, esses dias, Drummond. Li Não se mate na adolescência e dessa vez foi de tirar o folego! Antes de escrever, leio mais uma vez, agora ao som de Goodbye Kiss, Kasabian. Se puder, lhe convido a fazer o mesmo.

Abaixo, o poema, humildemente narrado por mim 😜

Não se mate, de Carlos Drummond de Andrade

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Não se mate, de Carlos Drummond de Andrade

   Carlos, sossegue, o amor 
   é isso que você está vendo:
   hoje beija, amanhã não beija, 
   depois de amanhã é domingo 
   e segunda-feira ninguém sabe 
   o que será.
   
   Inútil você resistir
   ou mesmo suicidar-se.
   Não se mate, oh não se mate,
   reserve-se todo para 
   as bodas que ninguém sabe 
   quando virão, 
   se é que virão.
   
   O amor, Carlos, você telúrico,
   a noite passou em você, 
   e os recalques se sublimando,
   lá dentro um barulho inefável,
   rezas, 
   vitrolas,
   santos que se persignam, 
   anúncios do melhor sabão, 
   barulho que ninguém sabe
   de quê, 
   pra quê.
   
   Entretanto você caminha
   melancólico e vertical.
   Você é a palmeira, você é o grito 
   que ninguém ouviu no teatro
   e as luzes todas se apagam. 
   O amor no escuro, não, no claro,
   é sempre triste, meu filho, Carlos, 
   mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.

Imagino, sentado, numa mesa de bar, alguém amargurado, ouvindo esses conselhos. Ora, espere! Ele está só! De fato, Carlos é a consciência, a razão de Carlos!

   Carlos, sossegue, o amor 
   é isso que você está vendo:
   hoje beija, amanhã não beija, 
   depois de amanhã é domingo 
   e segunda-feira ninguém sabe 
   o que será.

A vida é assim, eu te amo, mas hoje nem tanto e não há nada de errado nisso. Hoje se beija, amanhã não se beija, depois não se sabe o que virá!

   Inútil você resistir
   ou mesmo suicidar-se.
   Não se mate, oh não se mate,
   reserve-se todo para 
   as bodas que ninguém sabe 
   quando virão, 
   se é que virão.

Acredito que não amamos apenas uma vez na vida, pelo contrário vamos amar de diferentes formas e intensidades. Do contrário, quão triste seria se só houvesse uma alma gêmea reservada por pessoa. Seja lá o tenha acontecido, não se mate, isso passa, como tudo já passou e passará.

   O amor, Carlos, você telúrico,
   a noite passou em você, 
   e os recalques se sublimando,
   lá dentro um barulho inefável,
   rezas, 
   vitrolas,
   santos que se persignam, 
   anúncios do melhor sabão, 
   barulho que ninguém sabe
   de quê, 
   pra quê.

Que barulho aí dentro em Carlos! Tem um rádio ou uma TV ligada aí, ou, quem sabe seja um turbilhão de emoções e sentimentos? Lá dentro, em seu coração, em sua alma, há uma grande movimentação (telúrica) e você tenta reprimir esses sentimentos, pô-los em ordem.

   Entretanto você caminha
   melancólico e vertical.
   Você é a palmeira, você é o grito 
   que ninguém ouviu no teatro
   e as luzes todas se apagam. 

Em contraste de todo conflito e confusão dentro (de você), aí fora (agora, fisicamente) você tenta seguir, mesmo triste, você não perde sua postura. As pessoas são assim, duas, três coisas ao mesmo tempo. Simples e complexas, silenciosas e barulhentas. Lúcidas e incrivelmente ignorantes. A beleza de ser humano está na sua complexidade.

Mesmo com um turbilhão de sentimentos, que em algum momento nos parece quebrar por dentro, temos a aptidão natural de ser a palmeira que não é derrubada pela tempestade!

Um turbilhão de sentimentos, que como o rádio e TV ligado ao mesmo tempo, um em cada lado do seu ouvido, faz o silêncio ser questão de vida e morte.

O grito (como no teatro vazio) é a proclamação de que sim, aqui tem vida, e viver é maravilhoso!

Essa nossa capacidade de ser dúbio, ter sentimentos conflitantes nos permite, mudar, transformar, evoluir, sermos empáticos, enfim, aprender! Nos permite entender, que primeiro, respeito é qualidade inseparável do amor, mesmo quando este não existe mais.

   O amor no escuro, não, no claro,
   é sempre triste, meu filho, Carlos, 
   mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.

Termino esse texto, ouvindo While the song remains the same, Canção de Noel Gallagher's High Flying Birds, porque é preciso encontrar-se, conhecer sua essência. Aqueles momentos incríveis juntos, a certeza de ontem, você era tão feliz e a insegurança de hoje. Talvez não exista mais risos, fotografias. Esses momentos continuam aí, os bons e os ruins, por mais que não desejamos passar por isso, são os calos em nossa alma.

Do mesmo jeito que essa pessoa, de repente não faz mais sentindo na sua vida (e lembre-se, provavelmente quando ela entrou na sua vida, você não imaginava que faria tanto sentindo depois), tudo isso está a sua mão novamente, quem sabe na próxima esquina, talvez a Fortuna lhe reserve alguma surpresa.

Mas você precisa se permitir a isto.

Coragem é o que é preciso da gente.